Em 2022, quando o edifício-monumento re-abrir para o público após dez anos, se inaugurará um Novo Museu do Ipiranga. Na reabertura, tem destaque a difusão digital do conhecimento sob a guarda do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. A proposta deste documento é servir como um guia para o processo estratégico de difusão digital do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. O processo pretende desenvolver recursos para responder à questão geral: Como a difusão digital se integra à missão do Museu Paulista?. Essa questão desdobra-se em quatro grupos de perguntas estratégicas mais específicas sobre infraestrutura, organização institucional, conteúdo e comunidade. As questões foram elaboradas a partir do entendimento do museu enquanto espaço democratizante, inclusivo e polifônico, em relação dialógica com a sociedade à qual se dedica e faz parte. A formulação deste documento e o desenvolvimento do processo que pretende despertar dependem do contexto e necessidades específicas do Novo Museu do Ipiranga. Foram elaborados para motivar uma discussão mais ampla com a equipe e agentes externos, orientada à produção de um plano estratégico de difusão digital do Museu Paulista ou à inclusão de pontos sobre a difusão digital no plano estratégico do Museu Paulista. Este documento e o processo no qual se integra buscaram refletir os aspectos únicos da missão, da marca, da história, dos públicos e das coleções do Museu Paulista, associando-os à visão da re-abertura de 2022, no contexto do Bicentenário da Independência do Brasil. O diagnóstico que sustenta a visão estratégica aqui apresentada deve levar em consideração a situação e evolução do ecossistema digital em pelo menos quatro anos.
A produção deste guia para o processo estratégico de difusão digital do Museu Paulista da Universidade de São Paulo foi precedida de uma pesquisa sobre os riscos e as oportunidades da difusão digital de museus. Essa pesquisa teve a forma de uma revisão de literatura integrativa, com a sistematização de 68 artigos sobre estratégias de difusão digital, produzidos entre 2001 e 2019. A principal forma de mitigar riscos e potencializar oportunidades de difusão digital é a partir de um processo estratégico, para que, por exemplo, as decisões sobre esse tipo de difusão não recaiam em voluntarismo ou apenas reproduzam o que é feito em outras instituições. Listamos na tabela abaixo os principais riscos e oportunidades associados à difusão digital para museus. O guia para o processo estratégico de difusão digital do Museu Paulista foi construído com referência a documentos relativamente equivalentes de outras instituições. Foram pesquisados e analisados 50 planos estratégicos de difusão digital de museus. Esses documentos ajudaram a pensar o processo que se instaura aqui. Há diferenças marcantes entre os planos e este guia, no entanto. Todos os planos são de instituições do Norte global e estruturam-se a partir de diagnósticos específicos das sociedades mais ricas do mundo, em especial as expectativas em relação ao acesso generalizado a recursos digitais de ponta; esta não é a realidade brasileira em que a estratégia de difusão digital do Museu Paulista se desenvolve. Os planos sistematizados são o resultado final de um processo mais longo e amplo de elaboração da estratégia de difusão digital dos museus; este documento se dá em um momento inicial, um primeiro passo de um processo a ser desenvolvido. O processo descrito neste documento estava previsto para ser iniciado em meados de abril, no quadro da "Iniciativa Wikipédia do Museu Paulista da Universidade de São Paulo", de 2020. No contexto da pandemia de COVID-19, o processo foi adiado e repensado. Inicialmente, estava previsto um seminário de lançamento, que foi desmarcado, e pretendia-se organizar uma metodologia participativa e dinâmica com a equipe do Museu Paulista e agentes externos para atuar na elaboração da estratégia de difusão digital, que foi adiado. Um cronograma mais específico para o processo de estratégia de difusão digital precisa ainda ser elaborado. Os diagramas neste documento apresentam dois polos conceituais na difusão digital. São extremos de um continuum. A expectativa é que o processo estratégico aqui formulado contribua para aproximar o Museu Paulista do polo de convergência digital, com acessibilidade, liberdade e diversidade de acesso aos conhecimentos sob sua custódia.
Oportunidades | Riscos |
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Ampliação do acesso aos acervos, inclusive para uso acadêmico | Dissolução da autoridade do museu sob o acervo |
Utilização de ferramentas e desenvolvimento de produtos digitais | Dependência de parceiros externos e desvio da missão institucional |
Visualizações mais complexas de itens do acervo | Perda das fontes de renda tradicionais |
Entrada de conhecimentos novos e maior acessibilidade | Custos de adaptação de infra-estrutura |
Maior participação do público na construção das informações | Investimento em tecnologias que fragmentam as visitações |
Maior e melhor relação com o público visitante | Não ter orçamento para dar conta da transição digital necessária |
Diminuição de custos internos e vantagem competitiva externa | Atraso dos museus e de suas equipes em relação às aptidões digitais do público |
Capacitação digital das equipes da instituição | |
Ampliação da relevância sociocultural do museu |
Neste documento, são propostos quatro conjuntos de perguntas estratégicas que devem levar a discussões internas com relação à visão do Museu Paulista quanto a sua difusão digital. Cada questão pode desencadear um processo específico no desenvolvimento da estratégia adotada pelo museu, sendo que: Infraestrutura é entendida aqui como um processo de reflexão, investimento e engajamento com tecnologias e públicos digitais. Organização institucional trata do estabelecimento de uma cultura interna empoderada e predisposta ao conhecimento do e pelo digital. As perguntas de conteúdo refletem sobre como o museu se integra à lógica de convergência das redes digitais. Comunidade diz respeito às relações entre o museu e as partes interessadas em suas atividades, considerando questões como acessibilidade, liberdade e diversidade.
Os museus têm hoje o desafio de adotar uma infraestrutura que apoie a realização de sua missão. Pesquisas indicam que um dos maiores riscos na adoção de uma estratégia de difusão digital é o comprometimento e investimento da instituição em tecnologias que não oferecem o suporte adequado às suas práticas e às necessidades de seu público a curto e longo prazo. Isso pode colocar o museu em um relação de dependência e estagnação, além de impactar diretamente as práticas de sua equipe. Por isso, é preciso considerar infraestrutura como um processo continuado, não como mera aquisição e uso de recursos tecnológicos. As plataformas escolhidas orientam processos e influenciam em como os itens das coleções serão conservados e acessados hoje e no futuro.
O Museu Paulista, enquanto museu público e universitário, deve ser também um espaço de empoderamento permanente e de dinâmicas integrativas transversais de suas equipes. Isso é especialmente relevante para a difusão digital, que hoje não diz mais respeito somente a um departamento específico ligado à tecnologia, mas perpassa todos no museu. Uma cultura interna de engajamento e de desabrochar de talentos é compatível com um ambiente social e tecnológico em transformação. Uma característica de liderança empoderadora é a sensibilidade às habilidades e conhecimentos das equipes.
O Museu Paulista da Universidade de São Paulo foi construído como um ponto de referência, que o público deveria fisicamente visitar para ter acesso ao conteúdo disponibilizado pela instituição. As dinâmicas de convergência digital modificam as relações dos públicos com o conhecimento sob a guarda de instituições culturais. O Museu do Ipiranga é pioneiro na atuação no ecossistema digital livre, em que sua atuação passa de depositário de conteúdo para curador de conteúdos livremente circulados em ambientes na web. A proposta que se coloca neste eixo é potencializar as oportunidades e mitigar os riscos associados à difusão digital de conteúdos pelo Museu Paulista. O diagrama, retirado de uma das pesquisas realizadas para embasar este documento, é uma provocação, ao expor a transição de um modelo de acesso a conteúdos centrado na instituição a um no qual cada obra está no centro.
O contato com o Museu Paulista deveria ser uma experiência possível para todos os brasileiros em algum momento de suas vidas, eventualmente os públicos de todos os países. A difusão digital pode ser uma oportunidade de desenvolvimento de relações dialógicas com os stakeholders diversos e com o público universal que o museu atende. A difusão digital colabora com a ressignificação contemporânea do papel dos museus ao proporcionar uma conexão imediata com a sociedade à qual o museu serve e pertence. O desenvolvimento de uma comunidade acessível, livre e diversa em torno dos conhecimentos custodiados pelo museu, em compasso com as dinâmicas participativas do digital, pode contribuir para a realização da missão do Museu Paulista.
O que é apresentado aqui é uma provocação para um processo mais amplo a ser construído pelas equipes e agentes externos parceiros do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. A dinâmica de formulação e o formato escolhido para a estratégia de difusão digital precisam ser definidos colaborativamente, num processo integrativo e democrático. Não há autoridade exclusiva no assunto proposto neste processo; a dialogicidade é o princípio fundamental para construir colaborativamente a prática da difusão digital do Museu Paulista. Nesse sentido, a sequência desse processo é, espera-se, uma experiência formativa para definirmos num ambiente de empoderamento e troca os caminhos da difusão digital.
20 de agosto de 2020