- Por Lucas Belo
A XI Oficina Wikimedia & Educação que aconteceu no dia 21 de julho, contou com a participação de Amanda Jurno (UFMG) e de Tiago Lubiana (USP), com mediação de Marília Carreira, gerente de projetos do Wiki Movimento Brasil. Ao final, os convidados participaram de uma discussão. O vídeo desta oficina está disponível no YouTube aqui.
Abaixo, você confere um resumo do conteúdo do nosso décimo primeiro encontro mensal com educadores interessados nas plataformas Wikimedia:
Wikimedia e decolonialidade, com Amanda Jurno
Amanda Jurno, jornalista, pesquisadora e professora de pós-graduação, abordou o tema “Wikimedia e decolonialidade”. A proposta foi discutir a produção e a representatividade do conteúdo nas plataformas Wikimedia sob a perspectiva do pensamento decolonial, que critica uma suposta universalidade conferida à produção do conhecimento ocidental. As plataformas Wikimedia permitem a contribuição de todos, independente do idioma, cultura ou classe social. Entretanto, mesmo neste ambiente que possibilita ampla participação de pessoas, o conteúdo disponibilizado repercute perspectivas de grupos historicamente dominantes, geralmente por um olhar eurocêntrico ou do Norte Global, dado como “neutro”.
A palestrante destaca que, segundo a escritora e filósofa Donna Haraway, todo conhecimento, inclusive o científico, é permeado por questões subjetivas, econômicas, políticas, contextuais e de poder. Por exemplo, atualmente é possível notar as influências desses fatores na produção de vacinas e na construção do conhecimento científico sobre a COVID-19. Nota-se que a história da Ciência é permeada por interesses do Norte Global e agrega um viés Iluminista, configurando uma forma de entender o mundo que não é universal. Embora não seja uma perspectiva inválida, é necessário lembrar que trata-se de apenas uma forma de entender o mundo em um universo que contempla muitas outras. Segundo Donna Haraway, um conhecimento que se aproxime de algo mais representativo do todo deve compreender os saberes locais e as suas visões situadas.
As grandes plataformas de conteúdo possuem hoje algoritmos de seleção: estão sujeitas à subjetividade de seus programadores e executivos, além de diversos interesses políticos e econômicos. Essas plataformas se dizem globais, mas estão localizadas, em sua maioria, no Vale do Silício e são gerenciadas por uma minoria masculina, ocidental, branca, heterossexual e norte-americana. Diferentemente dessas grandes plataformas que se baseiam nas publicidades e nas horas de tela de seus usuários, as plataformas Wikimedia fazem parte de uma fundação sem fins lucrativos que permite que qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo possa ser um colaborador, o qual permite a inserção de conhecimentos por uma perspectiva local. Os projetos Wikimedia possuem espaço para o questionamento do seu conteúdo e das orientações estabelecidas para o uso de referências ou de critérios de notoriedade, uma vez que são construídos colaborativamente e voluntariamente.
Amanda Jurno destaca também que atualmente um pequeno grupo privilegiado ainda está redigindo sobre a maioria na Wikipedia: segundo Sengupta, Bouterse e Allmann, 80% das edições da Wikipédia são feitas principalmente por homens brancos norte-americanos ou europeus, grupo que representa menos de 20% da população global. Deste modo, “uma enciclopédia que pretende crescer e ser verdadeiramente a soma de todo o conhecimento humano necessita de conteúdos localmente relevantes que conectem a maior parte do mundo, não apenas a minoria.”
Por trás do conteúdo livre: o Wikidata enquanto banco de dados livres, com Tiago Lubiana
Em seguida, o cientista biomédico, pesquisador e wikimedista Tiago Lubiana abordou o tema “Por trás do conteúdo livre: o Wikidata enquanto banco de dados livres”. O Wikidata é um projeto Wikimedia que possibilita a estruturação de conhecimento semântico, independentemente do idioma de seu editor. Devido a esta forma de representação de conceitos, o Wikidata passa a ser uma grande rede de conhecimento multilíngue.
Primeiramente, destacou o conceito de dados, ou seja, dados podem ser brutos (genoma humano), podem ser informações específicas (população atual de um país) ou podem ser em forma de conhecimento (velocidade da luz). Os dados livres podem ser classificados, segundo Tim Berners-Lee, em até cinco estrelas (five star data):
★ São dados que independente do formato estão sob uma licença aberta. Por exemplo, artigos da Wikipédia ou arquivos pdf.
★★ São dados organizados de forma estruturada. Por exemplo, arquivo Excel.
★★★ São dados em formatos não-proprietários. Por exemplo, arquivo CSV.
★★★★ Utilização de URIs para identificar os dados, isso irá permitir a criação de links para esses dados. Por exemplo, arquivo RDF.
★★★★★ Conexão entre dados abertos (Linked Open Data – LOD). Por exemplo, o RDF sobre a velocidade da luz conectado ao RDF de Ole Rømer (primeiro cientista a medir a velocidade da luz). É possível perceber que este tipo de estrutura possibilita a formação de contexto.
As características mencionadas são acumulativas, ou seja, dados de duas estrelas também possuem as propriedades dos dados de uma estrela, os dados de três estrelas possuem as propriedades dos dados de uma e de duas estrelas e assim sucessivamente.

Classificação dos dados livres proposta por Tim Berners-Lee
Michael Hausenblas, James G. Kim - CC ZERO
Tiago Lubiana apresentou um estudo de caso onde ele e o aluno de graduação João Vitor Ferreira Cavalcante (UFRN) transpuseram informações CSV do banco de dados PanglaoDB para LOD no Wikidata.
O Wikidata é um banco de dados cinco estrelas, com dados estruturados em grafos que possibilitam uma melhor visualização da relação entre os dados. Durante o evento, Tiago Lubiana mostrou o exemplo de uma consulta SPARQL (forma arrojada de fazer buscas no Wikidata), onde pretendia retornar genes que marcam células beta pancreáticas humanas e as doenças associadas a esses genes. O resultado da consulta foram 46 doenças e 26 genes, sendo que muitas doenças eram esperadas como obesidade e diabetes tipo 2, afinal o pâncreas é responsável pela produção de insulina, que por sua vez regula a quantidade de açúcar no sangue. A busca também retornou o gene SH3GL2, que está associado à doença de Parkinson. Nesse exemplo, a estrutura dos dados possibilitou uma associação inesperada, o que permite questionamentos, criação de hipóteses ou de modelos científicos com base no Wikidata.